FRELIMO defraudou as expetativas dos moçambicanos ao não avançar os potenciais nomes de candidatos às presidenciais. Analista diz que disputas entre as alas empresariais e puristas poderão estar a dificultar o processo.
Um braço de ferro entre alas da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) está a dificultar a escolha de nomes para as candidaturas das presidenciais moçambicanas de outubro próximo, acredita Ricardo Raboco.
No entender do cientista político moçambicano, a criação do gabinete central de preparação das eleições gerais é uma tentativa de gerir expetativas internas e de se alcançar uma figura consensual, ao que chama de “mal menor”, como terá sido o caso do atual Presidente Filipe Nyusi.
A possibilidade de um regresso da ala do ex-Presidente da República, Armando Guebuza, ao poder pode estar a tirar o sono a alguns “camaradas”, cogita o analista.
A Comissão Política da FRELIMO, partido no poder em Moçambique, criou esta quinta-feira (15.02) o gabinete central de preparação das eleições gerais de 9 de outubro próximo, que será dirigido pelo secretário-geral da organização, Roque Silva.
A porta-voz do partido, Ludmila Maguni, disse, em conferência de imprensa, que, na sessão desta quinta-feira (15.02), os membros da Comissão Política não debateram a questão dos pré-candidatos à presidência da República, para tentar suceder a Filipe Nyusi, atual Presidente da República e da FRELIMO. Nyusi está constitucionalmente impedido de concorrer à Presidência da República, dado que já atingiu o limite de dois mandatos permitidos pela lei fundamental do país.
DW África: A FRELIMO defraudou as expetativas de muitos hoje, o que terá motivado a não escolha dos potenciais nomes?
RR: Eu penso que a questão central é eventualmente um colete de forças que existem ao nível interno, porque nos últimos tempos e tal como já previu o veterano histórico da FRELIMO, Sérgio Vieira – na parte final do seu livro “Participei, por isso Testemunho” – de que o partido seria praticamente um lugar de conflito entre dois grandes grupos: o grupo com interesses empresariais que transformam o partido numa máquina eleitoral de vencer simplesmente as eleições e um grupo que se baseia numa pureza ideológica ordinária, aquela pureza que caracterizou o ato fundacional da FRELIMO enquanto partido político. E aí a sucessão vai girar em torno desses dois grandes grupos. Na impossibilidade de um dos grupos poder vincar, podemos assistir uma imergência de um mal menor – que seria uma espécie de um ponto de equilíbrio entre estes dois grupos. E Filipe Nyusi, não podemos esquecer, terá sido uma espécie de um mal menor.
Não anunciar [nomes de pré-candidatos] há de ser fruto deste colete de forças que já se especulavam nos últimos tempos, sobretudo a ideia de uma espécie de um retorno da ala ou grupo de Armando Guebuza [ex-Presidente de Moçambique].
DW África: Este gabinete de candidaturas resulta de uma tentativa de pôr termo a este braço de ferro?
RR: Provavelmente. A questão do gabinete é um lugar simplesmente para a gestão das expectativas internas porque já há de marchas dos pré-candidatos internos. Alguns estão a fazer a campanha, uns de forma silenciosa, mas outros em virtude do timing, até aparecem de forma deliberada – não por eles próprios, mas por um conjunto de pessoas que o seguem a fazerem a pré-campanha.
Portanto, nessa perspetiva para gerir as expetativas internas e eventualmente também gerir as clivagens de coletes de forças que existem entre os grupos, anunciou-se esta questão do gabinete.
DW África: Esta medida não choca com os estatutos ou procedimentos do partido ou podemos considerar que é uma espécie de alternativa a que podem recorrer com legitimidade?
RR: Chocar com os estatutos quer me merecer que não, mas já havia um antecedente. Desta vez o processo parece estar mais demorado do que o processo anterior. Então nessa perspetiva, esta demora vai defraudar as expectativas tanto ao nível interno do partido, quando ao nível da opinião pública. Mas também pode ser o fato de eventualmente o partido não se sentir pressionado, porque se fazermos a leitura das eleições autárquicas é verdade que houve muita pressão. Houve muito movimento anti FRELIMO, no sentido de que as massas populares apoiaram veementemente os partidos da oposição, tanto mais que as próprias marchas eleitorais de reclamação aos resultados, em partes, explicam esta questão de um movimento anti FRELIMO.
Então nessa perspetiva, se a oposição não indicou ainda os candidatos e há o caso concreto da RENAMO com a possibilidade de aparecer candidatos jovens, que arrastam massas e com muita simpatia dentro da opinião pública, então a FRELIMO eventualmente se avançar com um candidato que grageia muita pouca simpatia, pode ter problemas.
DW África: Pode ser que a FRELIMO esteja a fazer um compasso de espera para ver o quem será o candidato da RENAMO e em função disso escolher um candidato que esteja à altura?
RR: É uma hipótese a não descartar.