Joaquim Tauzene, Isaura Alice, Bulande Domingos, Rádio Pax-Beira-Moҫambique
A prática de agiotagem, embora considerada crime em Moçambique, permanece uma alternativa para muitos cidadãos que enfrentam dificuldades em acessar crédito formal em bancos e instituições de microfinanças. Na província de Sofala, assim como em outras regiões do país, a busca por empréstimos informais concedidos por indivíduos conhecidos como “agiotas” tornou-se uma realidade comum.
Nossa equipa percorreu diversos bairros da cidade da Beira e ouviu relatos de pessoas direta ou indiretamente envolvidas nessa prática. histórias de desespero, tentativas frustradas de empreendedorismo e ameaças físicas e legais evidenciam a complexidade dessa questão.
Virgílio Gomes, pequeno comerciante da cidade da Beira, compartilhou sua experiência ao recorrer a um agiota para manter o seu negócio ativo.”Os bancos não emprestam dinheiro para quem não tem bens ou uma vida financeira estável. Para quem quer empreender, muitas vezes não há outra escolha”, relatou.
Outro cidadão, Marcos Vicente, jovem com o sonho de abrir um pequeno negócio, vivenciou uma situação semelhante. Após ser negado pelas instituições formais de crédito, recorreu a um agiota. “O problema começou quando não consegui pagar o primeiro empréstimo e tive que pegar outro para cobrir a dívida”, desabafou
A nossa equipe de reportagem conversou, sob anonimato, com uma figura conhecida no meio da agiotagem na cidade da Beira. “Isaura” (nome fictício) admitiu que a prática é ilegal, mas justificou seu envolvimento como uma resposta à necessidade da população. “Um empréstimo de 1.000 meticais deve ser devolvido com um acréscimo de 30% em um mês, ou seja, o devedor paga 1.300 meticais. Se houver atrasos, os juros aumentam, e a pressão sobre o devedor cresce”, explicou.
O economista Lourito António destacou as implicações graves da agiotagem “Essa prática, por ser ilícita e clandestina, afeta o sistema financeiro ao operar sem qualquer regulamentação, prejudicando bancos comerciais e o Banco Central. Além disso, expõe a população a juros abusivos, criando um ciclo de vulnerabilidade financeira e conflitos”, explicou.
O sociólogo Gandu Fijamo, por sua vez, apontou o custo de vida elevado e as urgências financeiras como as principais razões que levam as pessoas aos agiotas. “Uma das consequências mais graves é o aumento descontrolado das taxas de juros, frequentemente culminando no penhor de bens e imóveis. É necessário implementar políticas públicas que incentivem pequenos negócios e ofereçam alternativas sustentáveis para a população” frisou.
O advogado Jecsane Sande, ressaltou o caráter criminoso da agiotagem e os prejuízos que ela causa. “A criminalização busca evitar o aproveitamento indevido de situações financeiras vulneráveis. As taxas cobradas muitas vezes excedem os limites definidos pelo Banco de Moçambique. Além disso, a agiotagem está associada a crimes como branqueamento de capitais e enriquecimento ilícito, sendo uma prática fora do alcance de fiscalização”, concluiu.
Conforme o Código Penal moçambicano, quem, sem autorização da autoridade competente, dedicar-se à concessão de empréstimos com habitualidade e cobranças de juros, está sujeito a pena de prisão de 2 a 8 anos, além de multa de até 1 ano. Ainda, aqueles que realizarem cobranças de dívidas em nome de agiotas podem incorrer em pena de prisão de até 2 anos e multa de até 1 ano.