Nuria Chauque e Anabela Cadeado, Rádio Pax-Beira Moçambique
A cidade da Beira, capital da província de Sofala, tem sido o destino de muitos menores provenientes de distritos da província e de outras regiões do país. Fugindo da pobreza extrema, estas crianças chegam com a esperança de uma vida melhor, mas acabam mergulhadas numa dura realidade de sobrevivência precoce.
Durante uma ronda realizada pela nossa equipa de reportagem, conversámos com alguns desses menores, que relataram que na sua maioria, abandonam suas zonas de origem por conta da pobreza na esperança de ter uma vida melhor, mas a desilusão surge quando encontram realidades diferentes, atualmente dedicam-se à venda de produtos como amendoim, bolinhos e outros artigos em mercados e ruas movimentadas da cidade.
Enquanto algumas crianças trabalham por conta própria, outras ajudam os pais ou familiares, contribuindo com o pouco que conseguem para o sustento do lar. Em quase todas histórias, existe algo em comum, a perda de oportunidades e a frustração de sonhos Muitas desejavam ser professores, advogados ou outras profissões, mas a ausência de apoio transformou essas aspirações em incertezas.
António Tivane, de 17 anos, natural de Morrumbala, província da Zambézia, sonhava ser professor. Após concluir a 8.ª classe, foi forçado a interromper os estudos. “A minha mãe não conseguiu continuar a pagar a minha educação”, contou. Hoje, António vende bolos nas ruas da Beira como forma de sustento.
José Zacarias, de 15 anos, proveniente da cidade de Chimoio, enfrentou uma situação semelhante. Abandonou os estudos por falta de meios e agora dedica-se ao comércio informal. Apesar das dificuldades, José mantém viva a esperança de regressar à escola um dia, com os rendimentos que conseguir juntar.
Laurinda Zacarias, professora da Escola Primária Josina Machel, considera o trabalho infantil uma questão profundamente dolorosa para os professores. “É difícil trabalhar com crianças inseridas no sector informal. A maioria delas é vulnerável e precisa de apoio constante por parte dos professores e das pessoas mais próximas”, afirmou.
Laurinda acrescenta que muitas dessas crianças provêm de famílias em situação de extrema pobreza ou são órfãs. “Algumas abandonam os pais devido a maus-tratos, outras perderam os progenitores. Todas elas enfrentam desafios constantes e precisam de acompanhamento.”
Albertino Fernando, professor na Escola Primária de Nhangoma, manifesta preocupação com o nomadismo provocado pelos próprios pais. “Muitos pais levam os filhos consigo na busca por sustento, o que compromete a continuidade dos estudos. A pobreza é, sem dúvida, uma das principais causas do trabalho infantil. É preciso sensibilizar os pais para que compreendam que a educação é um direito da criança.”
A pobreza extrema, a desestruturação familiar e a ausência de políticas eficazes são alguns dos fatores que empurram estas crianças para o trabalho precoce e os afastam das salas de aula.
Mas o impacto desta realidade vai além dos menores envolve também famílias, professores e comunidades inteiras que lidam diariamente com este desafio.
Pais e encarregados de educação entrevistados pela nossa equipa também expressaram inquietação com o aumento do número de crianças envolvidas em trabalho infantil na cidade da Beira.
Angélica Azevedo, residente no bairro do Esturro, revelou que muitas crianças são obrigadas a trabalhar para apoiar os pais, enquanto estes se ocupam de tarefas domésticas. “Essa realidade priva as crianças do tempo de lazer e da vivência plena da infância”, lamentou.
Angélica apela ao governo para que realize estudos nos bairros, a fim de compreender as causas do consumo de drogas entre jovens. Defende ainda a criação de políticas de sensibilização e apoio aos estudantes que abandonaram a escola por dificuldades financeiras, garantindo-lhes matrícula e acesso a material escolar.
José Jorge, morador do bairro da Munhava, associa o abandono escolar à incapacidade de muitos pais em custear os estudos dos filhos. “O consumo de drogas tem agravado o afastamento dos jovens da escola, afetando tanto raparigas como rapazes”, referiu.
Também preocupada com a situação, Deonilde Luísa José, residente no 7.º Bairro do Esturro, zona da Massamba, afirmou que a falta de condições financeiras é um obstáculo para muitas mães solteiras, que não conseguem garantir a educação dos filhos. Lamenta a ausência de campanhas voltadas à reintegração das raparigas no sistema de ensino.
Ainda nesta ronda ouvimos Sérgio Feliciano, ativista na província de Sofala e líder da Associação Tendesa Kura, que trabalha com crianças órfãs e vulneráveis, reforça que o trabalho infantil é uma preocupação global. “Muitas crianças perdem o acesso à educação e acabam empurradas para o trabalho precoce”, alertou.
Feliciano informou que a associação realiza palestras de sensibilização com o objetivo de incentivar a frequência escolar. “É urgente implementar ações concretas para manter as crianças na escola e garantir que possam sonhar e realizar os seus objetivos, sem verem os seus direitos violados.”
Esta reportagem trouxe à tona a dura realidade de muitas crianças na cidade da Beira, que enfrentam o trabalho infantil em vez de estarem na escola.